O xintoísmo é a religião nativa no Japão, não tem fundador histórico e não tinha nome, doutrinas, dogmas ou fontes escritas anteriores ao século VI d.C., época em que o budismo começa a ser difundido no Japão.
Consistia num conjunto de costumes, tradições, ritos e mitos que explicavam a origem do mundo, do Japão e da família imperial. A palavra japonesa shinto (caminho dos deuses) começa a ser usada nessa época para designar o conjunto de crenças consideradas animistas e panteístas e distingui-las do butsudo (caminho de Buda), a nova religião, vinda da Coréia. Entre os séculos VIII e X são registradas as tradições culturais do xintoísmo. As crenças, orações e rituais xintoístas, que eram transmitidas oralmente, foram compiladas em três volumes, denominados de: Kojiki (anais das coisas antigas), concluído em 712 d.C., Nihongi (crônicas do Japão), concluído em 720 d.C., e o Yengishiki (hinos e preces), concluído no século X.
No xintoísmo, Kami (Ka significa fogo, espiritualização, e mi significa água, materialização) é a palavra japonesa para Deus. Kami é a centelha original da vida. Kototama é o reino dos deuses, o mundo espiritual. Na realidade é a força vital criativa do Universo composta dos sons-mãe (dimensões originais que precedem tanto a vibração quanto os sons audíveis – as cinco vogais, A, E, I, O e U) e dos sons-pai (que geram a polaridade e a vibração – as oito consoantes, Hi, Ni, Si, Ri, Ti, Yi, Ky e Mi), como se fossem as duas mãos de Deus (o Eterno feminino e Eterno masculino hindu). Sem essas mãos nenhuma partícula de energia poderia ser movida. Quando esses sons se combinam, criam o Ki universal (o Verbo Criador hindu e cristão, o AUM, o Amém), a verdadeira vibração que se manifesta continuamente no mundo material, harmonizando toda a manifestação visível e invisível . Dessa forma, ensina que o divino está presente em todas as coisas, visíveis e invisíveis: nas formas de vida, nas formas inanimadas, nos ancestrais e nas forças cósmicas, os dois últimos transformados em divindades. Essas divindades também recebem a designação de kamis ou “espíritos divinos”, poder sagrado cuja natureza não pode ser explicada em palavras e que se acha difundido na natureza.
A partir do século III, quando os mongóis atacaram o Japão e foram refutados duas vezes por tempestades, a crença nas divindades xintoístas, como os kamikazes (deuses do vento), foi enaltecida. Nesse tempo cada clã cultuava seu próprio kami protetor até que, quando a família imperial unificou o Japão no século VII, a deusa Amaterasu foi elevada a deusa nacional e o imperador a seu descendente direto. À medida que sua importância aumentava, os Buddhas e Bodhisattvas do butsudo foram considerados como manifestações temporárias das divindades xintoístas.
No século XVIII, o sábio Norinaga Motoori enfatizou a superioridade da deusa do Sol, afirmando que os outros eram apenas as causas dos fenômenos naturais. Atsutane Hirata, seu seguidor, atribuiu a Amenominakanushi (Senhor do augusto centro do céu) identidade com o Deus Único. Esse Senhor do céu, no mundo material se manifestou como (Alto gerador do deus prodigioso) e Takamimusubi Kamimusubi (Divino gerador do deus prodigioso), como os dois princípios: o masculino e o feminino.
Essa teologia, base da divinização do imperador, levou à restauração do governo imperial em 1.868, derrubando o xogunato, existente desde o século XII. A partir de então o imperador passou a ser considerado o deus revelado aos homens, o deus manifestado. Foi a religião oficial, nacionalista que exaltava a raça japonesa e divinizava o imperador, até o final da II Guerra Mundial, quando os Estados Unidos obrigaram o imperador Hiroíto a desfazer o mito de sua divindade e a nova Constituição do país passou a defender a liberdade de religião.
Segundo o Kojiki, o advento dos deuses iniciou-se com cinco divindades: Amenominakanushi (Senhor do augusto centro do céu), Takamimusubi (Alto gerador do deus prodigioso), Kamimusubi (Divino gerador do deus prodigioso), Umashiashikabihikoji (O mais velho soberano do cálamo) e Amenotokotachi (O que está eternamente deitado no céu).
A seqüência prossegue com as “sete gerações divinas”, dois deuses e mais cinco pares: Kuminotokotachi (Eternamente deitado sobre a Terra) e Toyokumonu (Senhor da integração exuberante), Uhijini (Senhor da lama da Terra) e Suhijini (Senhora da lama da Terra), Tsunuguhi (Embrião que integra) e Ikuguhi (Aquela que integra a vida), Ohotonoji (O mais velho da grande morada) e Ohotonobe (Senhora mais velha da grande morada), Omodaru (Aspecto perfeito) e Ayakashikone (Majestosa) e Izanagi (Varão que atrai) e Izanami (Mulher que atrai).
O último casal da série teogônica, Izanagi e Izanami, desempenha na cosmogonia xintoísta o papel da criação e, como tal, é a partir dele que se estrutura o corpo de mitos que mostram, por exemplo, o aparecimento das ilhas japonesas e das divindades secundárias associadas a cada uma destas. A catábase (descida aos infernos) de Izanagi, realizada após a morte de sua mulher em conseqüência do parto do fogo, faz parte dessa categoria de mitos. Segundo a narrativa tradicional, Izanagi contemplou o corpo putrefato de Izanami e se purificou num rio ao retornar ao mundo dos vivos. De seus trajes abandonados e das impurezas que lhe saíram do corpo nasceram as divindades maléficas. Izanagi tomou a lança de jóias do céu e arremessou-a no oceano. Quando levantou a lança, a água salgada que pingou dela se endureceu e nasceu uma ilha, os dois foram viver nela e aí criaram a grande terra das Oito Ilhas. Izanagi lavou o seu olho esquerdo dando à luz a deusa do Sol Amaterasu. Fizeram surgir também o deus da Lua Tsukiyomi e o deus tempestade Susanowo, irmãos de Amaterasu (a Trimurti xintoísta).
Inicia-se então, há cerca de 15 mil anos, uma época pura (Kannagara) e intocada pela racionalidade, onde a humanidade agia em concordância com a Lei Universal, vivendo junto com os kamis, sob o governo de Amaterasu. Um tempo em que o princípio Kototama foi aplicado à sociedade, levando-a a uma prosperidade sem igual, à época das grandes civilizações do Egito e da Suméria.
A deusa do Sol constitui família e o seu neto Jimmu Tenno tornou-se o primeiro imperador do Japão, por isso, ele não pode ter relação nenhuma com o comum dos mortais. O imperador é, então, venerado como descendente de Amaterasu, a grande deusa do Sol e do mundo vivo, a maior divindade da religião. Chegou assim a época em que Tsukiyomi (o deus da Lua) deveria começar seu governo, em que a filosofia e o materialismo deveriam reinar, tarefa recusada por Susanowo.
O grande plano divino era o desenvolvimento pleno de uma ciência e sociedade materialistas, cuja meta era a comprovação dos princípios espirituais da era anterior. Assim essa mudança conseguiria criar uma idade de ouro no futuro. Mas para o desenvolvimento materialista era imperativo que as verdades espirituais fossem ocultadas. Então o princípio do Kototama foi feito oculto, à época de Moisés, e surgiram as religiões organizadas, como uma forma de não se perder totalmente o vínculo com o divino. Amaterasu teve a missão de preservar os ensinamentos com vistas à nova era de ouro. A partir de então, o xintoísmo assumiu as formas e os rituais de uma religião.
Enquanto religião, a divinização das energias cósmicas foi acompanhada da divinização dos espíritos dos antepassados (considerados deuses tutelares da família), dos sábios ancestrais, dos imperadores, de alguns animais e de forças elementares da natureza. Para o xintoísmo a alma dos que morrem permanece poluída, conservando sua personalidade de quando em vida, necessitando assim de rituais de purificação, para que assuma um aspecto benevolente e pacífico. Dessa forma ela atingirá o grau de guardião, ou deidade (kami) protetora da família.
Os deuses, “flutuando no ar”, descem a santuários (xintais) quando invocados. Para isso conservam um santuário doméstico, o Kamidana, onde objetos simbólicos como um amuleto, um espelho, uma vela e um vaso com galhos de sakaki são colocados. É costume oferecer uma tigela d’água e arroz cozido todas as manhãs antes do desjejum. Com o tempo, os xintais passaram a ser objetos de adoração, visto que eram morada dos deuses, os quais já eram então inumeráveis: yaoyorozu-no-kami (oito milhões de deuses). Eram considerados xintais as árvores, rochas, espelhos e espadas e até mesmo um monte como o Fuji poderia servir de xintai.
Como religião, os deuses cultuados, as doutrinas e os preceitos têm um valor relativo. Na realidade, a simbologia se tornou o ponto mais importante do xintoísmo, mas seu significado ficou oculto à maioria. A essência do Kototama ficou representada pelos três tesouros (o espelho, a espada e o rosário) e pelas divindades a eles associadas.
Com a perda do significado da simbologia, a religião se limitou à prática de atos que mantivessem a harmonia e a subsistência da comunidade. Sem cânones ou dogmas acerca do certo e do errado, sua prática se baseava em costumes, que demonstravam como conseguir, com discernimento e moralidade, aquela harmonia. Necessário se faz estar em harmonia com os deuses e com a natureza. Para a harmonia com os deuses, é fundamental a limpeza de todas as impurezas morais e pecados através de rituais de purificação: o oharai (purificação com um ramo de sakaki) e o misogi (purificação com água). Para a harmonia com a natureza não se deve ir contra nenhuma Lei natural (ecologia).
O culto xintoísta é realizado no templo dos kamis locais, feito de cipreste japonês e, segundo uma tradição, demolido e reconstruído a cada vinte anos. Seu símbolo é o portal de madeira, chamada de Tori. Todas as entradas dos santuários xintoístas possuem este Tori, que consiste de duas colunas ligadas por duas vigas. As colunas representam os alicerces que sustentam o céu, enquanto as vigas simbolizam a Terra. O Tori é considerado o portão de entrada entre o espírito e a matéria. Da mesma forma que o Tori, o terreno, o rio que corre, a ponte sobre o rio, a floresta, o teto com seus 10 troncos e os dois leões têm todos um significado, uma simbologia.
Seus templos são sem estátuas e celebra-se uma liturgia de purificação, oferendas (dinheiro, flores, alimentos ou bebidas) aos kamis, orações de louvor e gratidão e uma refeição sagrada com eles (naorai). Nas festas religiosas, uma estátua do kami, ou um emblema que o simboliza, é transportado pelas ruas em um santuário portátil (mikoshi), em procissão.
As relações entre o culto aos antepassados e o culto dos kamis manifestam-se também no Kashikodokoro, santuário do palácio imperial de Tóquio, onde o imperador e sua corte rendem homenagens aos kamis antepassados durante as grandes festas religiosas (matsuri). O Kashikodokoro constitui, no Japão moderno, o centro onde se preservam as remotas tradições do xintoísmo. O Grande Santuário de Ise, em Mie, é hoje o principal santuário do Japão.
O culto ao materialismo teve sucesso além do esperado, de forma que uma tendência à negação da espiritualidade se tornou de tal forma violenta, que surgiu o perigo de uma destruição total da humanidade. Assim houve a necessidade do aparecimento de grandes homens, para relembrar à humanidade a espiritualidade perdida; homens como Lao-Tsé, Confúcio, Sidarta Gautama e Jesus de Nazaré (enviados de Tsukiyomi, equivalente ao Vishnu hindu). A mitologia e a cosmologia xintoísta afirmam que a época atual de sofrimento é uma época de transição à nova idade de ouro. Passada a era da espiritualidade, da filosofia e do materialismo, veremos o surgimento de uma nova era, que requer um tempo de purificação (misogi). Essa missão de purificação seria responsabilidade de Susanowo, o deus terrível e zeloso da tempestade (equivalente xintoísta do Shiva hindu).
Escrito por Cláudio Azevedo
Este texto pertence a: http://www.orion.med.br
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