O poder da natureza
Por Fenrir
A selva imprimiu por completo a percepção da realidade. Os maias acreditavam que uma energia biocósmica atravessava as pessoas, os animais, as plantas e os seres inanimados, imprimindo neles a sua razão de ser.
Quanto maior fosse a carga de energia, maior era a categoria e a importância de cada ser vivo, coisa, ou entidade. Os maias acreditavam que o gasto descomunal dos deuses era reposto com o sangue humano dos sacrifícios.
A crença no poder de combustível do sangue mostra deuses vulneráveis. E ao contrário, destacava o papel dos homens para manter o universo.
Os maias representavam a superfície da terra como as costas de caimão, ou como uma tartaruga marinha que sustentava a paina, uma árvore gigante sobre a qual o céu se apoiava. Sob sua sombra descansavam os sacerdotes, os guerreiros mortos em combate, e as mulheres falecidas no parto. O céu era associado à imagem da serpente de duas cabeças, imagem da dualidade da vida e da morte.
Mas além da terra e do céu, os maias davam mais atenção ao subsolo ou inframundo. Esta era a moradia dos mortos e dos deuses, além de fonte da vida e do milho, componente fundamental de sua alimentação.
O Xibalbá, o País dos Mortos, era um reflexo do mundo terreno. Eles construíam as pirâmides como representação do interior da terra.
Centralizada no subsolo, a noção maia do Outro Mundo abraçava uma dimensão mais complexa, um universo paralelo ao dos seres vivos, que incluía o céu, a superfície terrestre, a profundidade do oceano e a espessura da floresta.
O Outro Mundo, segundo acreditavam, resguardava os segredos do cosmos e do transcurso do tempo, os mistérios da vida e o destino dos seres humanos.
Os deuses maia
Os pesquisadores da religião maia enfrentam fortes polêmicas. A informação disponível não permite individualizar com precisão os distintos deuses do Período Clássico, suas origens, e suas funções. A cerâmica policroma relata mitos cosmogonicos e descreve o mundo subterrâneo. As imagens dos deuses se confundem com as cenas de adoração aos governantes.
Não obstante, nos templos de Uaxactún e Palenque é possível reconhecer representantes e esculturas do deus Kinich Ahau ou Kukulkán, Ixchel, Chac e Kauil.
Destacam-se Itzmaná, inventor da escrita, senhor dos céus, dia e noite; Hunab-Ku era irrepresentável e intocável, dele vinham todas as coisas materiais.
Vários deles eram antepassados divinizados. O próprio Kukulkán havia encabeçado os toltecas do Vale Central do México que se estabeleceram em Mayapán no final do século X.
O panteão maia se identificava com o cosmos e os objetos celestes. Kukulkán ou Kinich Ahau havia sido uma espécie de deus do sol, como o Ra dos egípcios. Seu nome significa: “Deus do rosto do sol”.
A influência do Teotihuacán foi muito importante, a ponto de muitas das entidades do norte serem incorporadas pelos maias. Quetzalcoalt, a “Serpente Emplumada”, foi assimilado com Kukulkán, reforçando a identidade entre deuses e governantes.
Os deuses combinavam formas humanas, animais, vegetais e astrais. O deus Jaguar era o senhor da noite estrelada, reinando sobre o céu, a terra e as trevas do inframundo.
As representações de Chac, o deus da chuva, o raio, o trovão e o vento, uniam a representação destes fenômenos com os pontos cardeais. Acompanhados de rãs que a anunciavam, Chac era uma divindade muito importante para os camponeses, e costumava se multiplicar esvaziando abóboras para produzir a chuva, enquanto atirava machados de pedra.
Ah Mun era o deus do milho, na batalha permanente com Ah Puch, o deus da morte. Também se relacionava com o inframundo Ek Chuah, um deus da guerra que aparece vestido de negro, divindade dos comerciantes e do cacau.
O panteão maia era bastante numeroso, com divindades altamente especializadas: Ixtab, deusa dos suicídios que era representada com uma corda no pescoço; IxChel, deusa do arco-íris, medicina, adivinhação e maternidade; Ah Chicum Ek, o deus benevolente da estrela polar; e Buluc Chabtan, deus guerreiro dos sacrifícios humanos entre outros.
Profecias e adivinhações
Para conhecer o destino dos defuntos no Além, suas opiniões, seus prognósticos e seus anseios em relação aos vivos, os maias desenvolveram a técnica da necromancia.
Os reis maias acreditavam que se comunicavam com seus ancestrais ao se verem na superfície polida dos espelhos mágicos de obsidiana, consumindo drogas alucinógenas, ingressando nas covas ou nos templos-montanha.
Na língua maia, “profecia” e “lei” se escrevem com a mesma palavra, mostrando a concepção regular e circular que tinham do transcurso do tempo.
Assim como os astecas, os maias pensavam que as profecias se cumpriam. Por isso, toda tentativa de fugir da sorte estava destinada ao fracasso. O livro sagrado de Chilam Balam diz: “Estas coisas serão compridas. Ninguém poderá detê-las”.
Apesar de se tratar de um relato das invasões toltecas, a tradição considera que Ah Xupan Nauat, um profeta maia do século XI havia antecipado a chegada dos espanhóis a Yucatán, fato histórico que aconteceu quinhentos anos depois.
Formuladas de maneira retrospectiva, os maias faziam o possível para cumpri-las. Aquele que conhecia a profecia era considerado o favorito dos deuses, o mestre da interpretação, o dono absoluto do poder.
Ao constatar essa idéia, o filósofo, lingüista e historiador Tzvetan Todorov explicou que a vida social dos maias se caracterizava pela regularidade absoluta: “a palavra chave da sociedade mesoamericana é ordem”, escreveu Todorov.
Cosmologia e o poder político
De modo parecido a outras sociedades antigas, a forma como percebiam o universo nos dá uma radiografia da estrutura de poder, as funções dos governantes, as divisões territoriais, a ordem das cidades, e os aparatos administrativos.
Os reis tinham caráter divino e trabalhavam como sumos sacerdotes. Eles fixavam a doutrina e estabeleciam os procedimentos rituais. Os membros de suas linhagens também desempenhavam tarefas religiosas.
O rei estava diretamente relacionado com os deuses, era considerado um deles. Quanto mais o governante fosse sagrado e o culto fastuoso, mais a sociedade se sentia segura e integrada. De acordo com as crenças, os reis eram potências geradoras de vida.
Governar para os maias significava administrar corretamente a ordem do cosmos, a sociedade e a natureza. Isso explica o poder absoluto dos reis, a partir da posse dos segredos do mundo dos mortos.
Os ancestrais fundadores de linhagens eram associados a seres sobrenaturais, denominados wayob. Os arqueólogos identificaram imagens destes seres nas peças de cerâmica. Para os maias, os espíritos dos wayob viviam nas construções gigantescas das principais cidades.
Os rituais
Os relatos mais minuciosos sobre os ritos de sangue maia provêm do Período Pós-Clássico. Entre eles, a cena da extração do coração de um guerreiro para oferecê-lo aos deuses.
Os jovens guerreiros pertencentes às elites inimigas eram as presas mais cobiçadas. No caso de capturar um governante, ou um chefe principal, a vítima era reservada para ser decapitada durante uma cerimônia especial.
Por outro lado, quanto mais distante fosse o povo de um cativo, geográfica ou culturalmente, mais os maias o depreciavam para o sacrifício. Segundo Todorov, as vítimas preferidas deviam ser simultaneamente, estrangeiras e próximas.
Os métodos de sacrifício eram diversos. Durante o Período Clássico foi posto em prática o esquartejamento, realizado em ocasiões durante o jogo de bola.
O Templo dos Jaguares e dos Guerreiros em Chichén Itzá foram âmbitos privilegiados para a prática dos sacrifícios humanos.
Os cronistas espanhóis descrevem o equipamento dos sacerdotes: resina de copal para utilizar incenso, pintura negra e facas de sacrifício.
Segundo o pensamento maia, os ritos eram imprescindíveis para garantir o funcionamento do universo, os acontecimentos do tempo, a passagem das estações, o crescimento do milho, e a vida dos seres humanos. Os sacrifícios eram necessários para assegurar a existência dos deuses, repondo seu consumo periódico de bioenergia.
Por Fenrir
Extraído de: http://www.doismiledoze.com
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